Autor: Daniel Dabés

O Canal de Denúncias é um dos principais pilares de um Programa Efetivo de Compliance e o mecanismo mais eficaz para detectar corrupção, fraudes e condutas antiéticas. No entanto, ainda existem alguns obstáculos culturais que devem ser levados em consideração pelas empresas.

No Brasil, a figura do denunciante é vista como dedo duro, um indivíduo desprezível que deve ser punido com linchamento moral ou físico. Esta cultura é tão enraizada que Bezerra da Silva eterniza a figura do cagueta em sua obra. Para ele, quem denuncia a malandragem é um canalha do pior tipo:

“É aí que a gente vê
Quem é malandro e quem não é
É aí que a gente vê
Quem é firmeza e quem não é
Porque o sangue puro é cadeado blindado
Ele não cagueta nem banca o mané.”

O estigma de ser visto como um dedo-duro pelos colegas de trabalho é um desafio ao funcionamento dos canais de denúncia. Por esta razão, as campanhas iniciais devem ser positivas abordando que o propósito de uso do canal de denúncias é robustecer cada vez mais o ambiente ético e transparente de trabalho.

A organização deve esclarecer que a atitude do denunciante está contribuindo para a perenidade da empresa, bem como, para a blindagem de sua imagem e reputação no mercado.

É importante ressaltar que, não fazer a denúncia é estar conivente com o ato ou sendo cúmplice, podendo lhe imputar sanções a este desvio.

Nos Estados Unidos, o denunciante é visto como whistleblower (soprador de apito traduzido literalmente do inglês), tendo uma conotação positiva nas culturas anglo-saxônicas.

De acordo com o Oxford Dictionary of English, o whistleblower é alguém que, em nome da justiça, torna conhecida as ilegalidades praticadas por certas organizações. Não parece, portanto, ter associada à ideia de traição contida na denominação em português.

Além disso, os órgãos de controle norte-americanos oferecem prêmios em dinheiro para os colaboradores que denunciem alguma irregularidade. Tal prática já vem sendo utilizada pela SEC, entidade que regula os mercados de capitais, com recompensas para estimular as denúncias sobre fraudes dentro das empresas.

Em 2016, as recompensas do whistleblower americano distribuíram U$ 57 milhões aos informantes. Desde o início do programa, iniciado em Agosto de 2011, 34 whistleblowers receberam a quantia de U$ 111 milhões.

Diferente da delação premiada, existente no Brasil, o informante não participa do esquema de corrupção. Ele apenas possui informações sobre o crime de corrupção que são valiosas ao interesse público. Como recompensa, a SEC paga ao whistleblower entre 10% a 30% dos valores recuperados.

A figura do whistleblower, infelizmente, ainda não está em vigor no Brasil. A iniciativa chegou a ser proposta ao Congresso no projeto “10 medidas contra a corrupção”.

Na Câmara dos Deputados foi retirada do texto. Os Deputados, inclusive, chegaram a dizer que seria criado “um mercado paralelo de dedos-duros”. Em dezembro de 2017, por decisão do STF, o projeto voltou para o Senado e terá de ser novamente apreciado pela Câmara.

Autor: Daniel Dabés

URL do artigo original: https://www.compliancepme.com.br/artigos/a-cultura-do-dedo-duro-ainda-e-um-obstaculo-para-a-utilizacao-do-canal-de-denuncia-no-brasil-20200113