Autor: Wagner Giovanini

Artigo 1: Estruturar

Em todos os lugares, em qualquer hora e sobre qualquer assunto, o profissional de Compliance tem a obrigação de prezar pela ética, integridade e honestidade, seja nas suas ações, atitudes ou recomendações transmitidas aos outros. Aliás, isso deve ser parte de seus princípios e, portanto, tal obrigação transforma-se numa rotina inconsciente no seu cotidiano.

Em tempos de crise, essa prática fica ainda mais exposta e, por essa razão, multiplicam-se os cuidados essenciais para um Compliance Officer diligente. Além do habitual, nesse momento, ele deve assumir papeis ativos, usando a proatividade e ações inovadoras, para adicionar valor à empresa, a seus colegas e ao Mecanismo de Integridade.

Contudo, implementar medidas com ansiedade, sem discernimento, ordem e planejamento, implica numa grande probabilidade de insucesso, falta de efetividade e perda de recurso.

Por isso, decidi escrever um conjunto de artigos para compartilhar o resultado da minha vivência em muitas situações de grande tensão, quando eu estava à frente do Compliance na Siemens – América Latina. Apesar de enfrentar circunstâncias diferentes, nas causas e magnitudes, há um aprendizado bastante útil a ser aplicado agora.

Assim sendo, o presente artigo versa sobre como o Compliance Officer deve encarar a situação, para poder estabelecer os seus próximos passos. Esse foi o ponto de partida para eu elencar 10 medidas gerais, a serem abordadas a partir do artigo 2, num total de 5. Dessa forma, você terá acesso, ao conjunto completo das minhas sugestões.

Antes, portanto, de listar as 10 medidas, cumpre estruturar o raciocínio. Tal providência permite a cada um replicar essa lógica em seu próprio local. Então, a primeira tarefa do Compliance Officer configura-se em redefinir a sua missão, agora sob circunstâncias adversas. Obviamente, esse entendimento será particular, customizado a sua realidade. Mas, eu poderia expressar assim:

Dentro das minhas atribuições, agora a minha missão é agregar valor para a empresa e fortalecer o Mecanismo de Integridade, considerando o contexto atual”.

Com isso, ao olhar para o ambiente ao redor, a diferença entre o cenário de hoje e o meu dia a dia será perceptível, ou seja: há outras prioridades à frente do Compliance, inclusive a de sobrevivência; muitas pessoas estão em home office; há caos no mercado etc.

Conhecendo a minha missão e entendendo bem o cenário, estou apto para identificar os riscos e as oportunidades. De modo simples, posso descrever alguns riscos universais, para o propósito desse artigo, mas, recomendo ao leitor exercício similar, não para validar essa lista, mas, para ajustá-la, de acordo com a sua organização:

  • Em situações de emergência, exceções ou flexibilizações podem abrir portas para riscos relativos ao Compliance.
  • Funcionários mal intencionados podem se aproveitar da situação para cometer irregularidades (criação de passivo para o futuro).
  • Regras podem ser burladas sob o argumento ou justificativa de haver uma crise instaurada.
  • Exceções podem se perpetuar na empresa (pós-crise).
  • A chama do Mecanismo de Integridade pode se apagar (a retomada é custosa, difícil e nem sempre efetiva).
  • A estrutura do Compliance pode ser destruída e jamais ser recomposta.

Onde há desafios, entretanto, há oportunidades. Não se trata de tirar vantagem dos outros, mas um expediente a fim de melhor utilizar os recursos confiados pela empresa para o Mecanismo de Integridade. Logo, a exemplo dos riscos, seguem algumas oportunidades de cunho genérico:

  • Demonstrar o valor do Compliance fortalece o apoio futuro.
  • Contribuir nas horas críticas trará reconhecimento.
  • Utilizar bem o tempo disponível para estruturar melhor o Mecanismo de Integridade terá como consequência gestão e processos com maior qualidade.
  • Realizar tudo de forma planejada e bem estruturada criará um círculo virtuoso, iniciando por melhorar a qualidade até obter o maior apoio de todos, como na ilustração a seguir:

Após exercício semelhante, o profissional de Compliance atento e bem intencionado estará capacitado a estabelecer uma estratégia de atuação. Algo como:

  • Manter acesa a chama do Compliance.
  • Identificar novos riscos peculiares na conjuntura atual e proteger a sua empresa e as pessoas.
  • Avaliar o Mecanismo de Integridade e melhorar suas práticas, critérios e gestão.
  • “Colocar a casa em ordem”, eliminar pendências e preparar-se bem para o futuro.
  • Na totalidade das ações, dar visibilidade ao Compliance, proporcionando a todos reconhecer o seu valor.

Uma visão sistêmica e ordenada vai conferir consistência ao seu plano de ação. Por isso, vale investir um tempo, mesmo pequeno, para repetir o processo aqui exposto. Ele é muito simples, porém, de extrema valia.

Artigo 2: As primeiras providências

O artigo anterior foi dedicado a estabelecer uma lógica antes de se definirem ações de forma atabalhoada. Assim sendo, previne-se o insucesso, desperdício de recursos e, ao mesmo, fortalece-se o Mecanismo de Integridade. Se você não o leu, recomendo iniciar por ele, para entender a sequência proposta.

Foram elencadas 10 medidas, a serem cumpridas numa ordem adequada, para maximizar os resultados. O bom senso impõe tratar, no presente artigo, daquelas essenciais que, se não implementadas, provavelmente levará as demais a resultados abaixo do esperado.

Medida 1: Reforçar o apoio da Alta Direção

Como é de conhecimento geral, só existe efetividade de um Mecanismo de Integridade quando há o apoio verdadeiro da Alta Direção. Portanto, torna-se prioritário estruturar uma estratégia para manter esse apoio e engajamento de seus membros, mesmo durante a crise. Por outro lado, essencial lembrar ser exato esse nível hierárquico o mais engajado na prioridade do momento: “manter a sobrevivência da organização”. Dessa maneira, não se permite atrapalhar, nem consumir tempo demasiado desses profissionais, pois se assim o for, o efeito será contrário ao desejado.

Mesmo assim, você deve contatar os membros da Alta Direção, com uma abordagem sutil, assertiva, focada, simples e clara sobre como agregar valor nesse momento. Deve-se passar segurança e firmeza, apresentando soluções, em vez de problemas.

O objetivo do Compliance Officer é compartilhar o seu plano de ação, demonstrando como irá manter o Compliance vivo e quais as ações principais. Busca-se, portanto, ser reconhecido por estar no caminho certo e, ao mesmo tempo, evitar ser confundido com um peso a mais no meio dessa situação difícil. A solicitação de apoio deve vir sem o fardo de atividades para a Alta Direção, mas sim, na expectativa de aprovação e validação das suas providências.

Uma preparação irretocável é fundamental para essa interação ser bem sucedida, pois é bem provável haver pouquíssimos minutos à disposição e uma única chance de impressionar positivamente. Se o raciocínio e o discurso forem mal encadeados, o esforço será em vão e, dessa forma, muitas das próximas medidas não surtirão o benefício previsto.

A sugestão é preparar um texto de 3 minutos. Aborde, de maneira sucinta, os riscos identificados, as principais ações planejadas e tranquilize o interlocutor acerca de o Mecanismo de Integridade estar cumprindo a sua parte, a fim de colaborar com a empresa e seus funcionários, num momento tão difícil. Isso posto, faça os devidos agradecimentos pelo tempo concedido e coloque-se em posição de ajudar onde necessário, finalizando com um pedido para o apoio continuar.

Obs.: o conteúdo dessa conversa, entretanto, será objeto de todos os artigos dessa série.

Assim sendo, siga os passos dados no primeiro artigo. Comece a planejar a sua ação, mas apenas coloque em prática quando você tiver o cenário completo das 10 recomendações.

A partir daí, sugere-se iniciar o contato com o seu chefe e, na sequência, repita o discurso com os demais membros da Alta Direção.

Com esse raciocínio, você irá empregar cerca de meia hora e vai garantir o ativo mais precioso para o exercício da sua missão: confiança da Alta Direção no seu trabalho, além do apoio e engajamento de seus membros em prol do Mecanismo de Integridade.

Medida 2: Identificação e análise de riscos

Com o apoio da Alta Direção, conhecer os riscos relativos ao Compliance é sempre a primeira providência na construção de um Mecanismo de Integridade.
Em tempos de crise, o cenário mudou e, com isso, novas ameaças surgem, demandando a realização urgente de um processo de identificação desses riscos e sua mitigação imediata.

Deixar de cumprir esse processo indica haver um Mecanismo de Integridade inoperante, visto que, logo em momentos como esse, tal ação é prioritária.
Apesar de poucos abordarem esse ponto nas suas recomendações para vencer o desafio atual, aqui está a pedra fundamental para todas as medidas emergenciais. De nada adianta um Compliance burocrático, focado em atividades triviais aprendidas sob um cenário de calmaria e normalidade. Agora, o caos impera e as soluções são diferentes.

Nesse contexto, a atitude de um Compliance Officer responsável é executar o tão conhecido “Compliance Risk Assessment” no modo remoto. Por óbvio, esse processo difere do realizado anualmente. Agora, ele deve considerar as exceções, as atividades abandonadas, as regras recém-criadas, alteradas ou eliminadas, os profissionais em home office, o problema do desabastecimento e/ou complicação no fluxo de caixa. Perguntas como essa devem ser respondidas: “essa situação pode incentivar funcionários ou terceiros burlarem leis ou usar condutas antiéticas?”

Os riscos identificados devem balizar as medidas mitigadoras, a serem implementadas de imediato. Não há espaço para postergações ou estabelecimento de planos de ação de médio e longo prazo. O momento é crítico e o Compliance Officer deve agir como tal.

Artigo 3: Manter o Compliance vivo

Nas edições anteriores, estabeleceu-se uma lógica para a definição das medidas prioritárias e como implementar as duas primeiras, para que, as subsequentes pudessem gerar o efeito desejado.

No presente artigo, o foco é preservar o Mecanismo de Integridade vivo, de maneira a não apenas manter os funcionários atendidos pelas práticas e processos existentes, mas principalmente, para levar a mensagem a todos sobre a relevância desse sistema, mesmo diante de uma grande crise como a atual.

O Compliance Officer perspicaz deve saber das consequências desastrosas de permitir o enfraquecimento do Mecanismo de Integridade. O caso assemelha-se a perder a credibilidade e a confiança. Se porventura os funcionários perceberem não haver prioridade para o sistema ou que a organização não cumpre o apregoado, será improvável a retomada, sem um processo custoso e longo.

Portanto, mesmo diante de tantos desafios, caberá a esse profissional a missão de manter a chama acesa e, para isso, deverá envidar esforços adicionais aos já enormes aplicados em situações normais.

Assim, as medidas aqui descritas representam apenas um humilde conjunto de sugestões que, na prática, deverão ser comandadas com rigor pela equipe de Compliance. Considerando já abordadas as medidas 1 e 2, “Apoio da Alta Direção” e “Compliance Risk Assessment”, vamos continuar a nossa lista a seguir.

Medida 3: Manter o Mecanismo de Integridade funcionando

No dia a dia, ainda mais durante as crises, o sistema deve permanecer operando, como um relógio. Não se admite excluir peças de sua engrenagem, imaginando o aparelho continuar a marcar as horas com precisão. Além disso, paralisar as atividades e processos do Compliance dará uma mensagem negativa para os funcionários, algo como se o Mecanismo de Integridade tivesse morrido. Assim, considere essa opção como inexistente.

Portanto, cumpre ao Compliance Officer manter atividades e processos “em operação”. Por certo, adaptações serão necessárias, mas, isso não deve ser empecilho para se cumprirem os requisitos previamente estabelecidos, gerando-se os registros e evidências necessárias. Muitas atividades podem ser realizadas de forma remota, sem perda de qualidade, e assim sendo, a sua definição deverá ser feita o mais breve possível.

Para aquelas, em princípio obrigatórias de serem presenciais, invoca-se a criatividade. Não se esperam desculpas ou justificativas para a “roda parar”. Aliás, o Compliance Officer recebe o seu salário para encontrar soluções, não apenas no dia a dia normal, mas também sob os momentos de turbulência, como os atuais.

Então, impõe-se definir para todos os processos como eles serão realizados e, a partir daí, colocar tudo em prática já!

Antes, porém, de descrever a próxima medida, imperioso ressaltar uma ação obrigatória para o responsável pelo Compliance: participar do “comitê de crise” da empresa. Tal providência visa contribuir com a organização para vencer os desafios do presente e, ao mesmo tempo, prevenir riscos, ou seja, defender o Mecanismo de Integridade e evitar decisões contrárias aos princípios da ética e integridade.

Medida 4: Reforçar a presença do Compliance

Em complemento à medida anterior, um processo merece atenção redobrada: “Comunicação e Treinamento”. Isso pois, existem diversos aspectos reforçando a necessidade de um tratamento especial para ele, como por exemplo:

  • Esse processo é o mais direto dos elos do Mecanismo de Integridade com as pessoas.
  • Por meio dele, as informações chegam na ponta.
  • Comunicação e treinamento contribuem bastante para sensibilização e qualificação das pessoas, no intuito de se fazer o certo sempre, inclusive nas crises.
  • Sem ele, nutre-se a impressão de falência do sistema, como se a chama do Compliance tivesse sido apagada (se ninguém mais falar no assunto, ele irá morrer).

A tarefa começa, então, por rever, ajustar e melhorar o plano de comunicação e treinamento, considerando os aspectos da crise. Por exemplo: há treinamentos presenciais passíveis de serem transformados em EAD, além de adaptações em seus conteúdos. Sobre a comunicação, agora é o momento de intensificá-la, porém, ordenada e planejada (para não exagerar na dose, nem deixar abaixo do necessário).

Nessa formulação, é fundamental considerar também os riscos atuais, advindos da Medida 2, sugerida no artigo passado. Além disso, convém abordar os processos e controles críticos, as medidas adotadas pela empresa para passar por essa turbulência, aspectos legais e regulatórios vigentes e aplicáveis, entre outros. Adicionalmente, deve-se criar um plano específico para funcionários em home office. Todo material, veículo, público-alvo, ferramentas, cronograma etc. devem ser revistos com cuidado, para atender às necessidades do momento em questão e prever como retomar a normalidade no “pós-crise.

Um grupo especial de público-alvo deve ser tratado com a maior relevância nesse tópico: a média gerência. Refere-se à conexão entre a Alta Direção e demais funcionários da organização, sendo uma comunidade normalmente “divisora de águas”, para o sucesso do Compliance. Portanto, torna-se imperioso definir uma estratégia especial para seus membros, de modo a reforçar o apoio e engajamento deles para o sucesso do Mecanismo de Integridade.

Dentre os temas, um merece abordagem singular e bem enfática: o canal de denúncia! Intensificar a sensibilização das pessoas, reforçando que, nesse momento, a empresa precisa da ajuda de todos consiste em ação imprescindível. Ou seja, toda informação relevante para favorecer na eliminação de fraudes, irregularidades, ilicitudes, desvios de conduta, entre outras, precisa ser reportada. O canal existe para isso, é um benefício para funcionários e, ao mesmo tempo, uma valiosa contribuição para a organização vencer esse desafio. Nesse sentido, há opções como comunicação, treinamento, campanhas complementares, entre outras atividades, para incentivar o funcionário no uso desse meio tão importante para o bom funcionamento do Mecanismo de Integridade.

Nessa mesma direção, o responsável pelo Mecanismo de Integridade deve orientar os demais atores(*) desse sistema para se posicionarem como ouvidores dos funcionários, para ajudá-los onde necessário e, ao mesmo tempo, obter sugestões, reclamações, alegações, dentre outras informações úteis para a manutenção da ética e integridade na organização.

(*) Por atores, nesse artigo, refiro-me aos profissionais de Compliance, auditores de Compliance, investigadores, membros dos comitês de ética, facilitadores, embaixadores etc.

Artigo 4: Preparar-se para o futuro

Nas edições anteriores, após estabelecer uma lógica de raciocínio, 4 medidas foram tratadas, buscando manter o Compliance vivo. Agora, a ideia é preparar a estrutura do Compliance para o futuro. Caso você ainda não tenha lido os outros artigos, sugiro iniciar pelo primeiro.

Quanto tempo a crise irá durar, ninguém sabe, mas, por certo, ela vai passar! Desse modo, não se espera do Compliance Officer uma atitude passiva no momento. Pelo contrário, deve avaliar a situação atual e estabelecer ações para fortalecer o Mecanismo de Integridade, aproveitando ao máximo os recursos disponíveis.

Medida 5: Treinamento e capacitação da equipe de Compliance

Normalmente, os profissionais de Compliance permanecem imersos no cotidiano da organização, faltando-lhe tempo suficiente para se capacitarem. Mas, essa justificativa não pode perdurar, pois, a falta de conhecimento adequado nos temas relevantes do Mecanismo de Integridade traz consequências trágicas: falta de efetividade nas suas atividades, desperdício de recursos, descrédito perante os clientes internos, dentre outras.

Assim, adote a presente recomendação como uma necessidade e empenhe-se para colocá-la em prática. Inicie com uma avaliação dos resultados alcançados, nos últimos tempos, para cada membro da equipe, incluindo facilitadores, investigadores, auditores internos de Compliance, membros do comitê de ética, embaixadores etc. Nesse processo, utilize o perfil adequado como referência e identifique se existem “gaps” de competência e eventuais deficiências.

Dessa análise, resultam as necessidades de treinamento e/ou coaching à distância, para as diversas funções e atores do Mecanismo de Integridade.

Se a instituição possuir o modelo de facilitadores ou embaixadores, agora é o momento de estruturar melhor essa função, expandindo-a para além de treinamento e capacitação, ou seja, busque uma gestão eficiente, de relacionamento, coordenação, sistematização, avaliação.

Medida 6: Avaliar a efetividade do Mecanismo de Integridade

Um jargão bastante conhecido no ambiente da gestão empresarial é: “não se melhora o que não se mede”.

No caso do Mecanismo de Integridade, a palavra-chave é efetividade. Aliás, na perspectiva da Lei 12.846/13 e seu Decreto 8.420/15, um Mecanismo de Integridade sem efetividade equivale a estar ausente ou, pior ainda, pode ser considerado um “programa de fachada”.

O desafio torna-se ainda maior pela falta de conhecimento geral acerca do significado do termo “efetividade”. Muitos nem têm ideia de como medi-la ou demonstrar a sua presença em cada processo. Essa constatação não se configura em demérito, visto o tema Compliance ainda ser muito novo e suas nuances ainda estarem sendo absorvidas pelos especialistas da área.

Independentemente da situação, avaliar a efetividade do Mecanismo de Integridade é tarefa primordial! Caso haja insegurança para fazer tal processo, peça ajuda de especialistas, pois a riqueza dessa análise compensa o esforço!

O referido diagnóstico apresenta como está o seu Mecanismo de Integridade, quanto à robustez e fragilidades, indicando onde ele é insatisfatório. Todos os processos, atividades, documentos, resultados, ferramentas, organização, estrutura, recursos, ambiente e demais partes integrantes desse sistema devem ser colocados à prova.

O resultado permite elaborar um plano para ser implementado em duas fases:

  1. de imediato: para as providências urgentes e as passíveis de serem executadas à distância;
  2. após a atual crise: para as demais sugestões. Um plano pronto propicia ganhar-se tempo, para iniciar a implementação, tão logo a normalidade volte.

Medida 7: Revisão documental

Uma avaliação da efetividade do Mecanismo de Integridade bem feita irá abranger a documentação aplicável, tais como: código de conduta, políticas, procedimentos, instruções de trabalho, registros, inclusive as evidências geradas sobre a efetividade de cada elemento.

Mas, há uma questão merecedora de abordagem numa medida individual. Em tempos de crise, um novo cenário foi formado e o Mecanismo de Integridade deve ter sido capaz de identificar aspectos até então não abordados na organização. Uma parte irá desaparecer quando a normalidade voltar. Todavia, outra parte poderá ser útil de se perpetuar na organização, podendo valer para os dois lados: seja para endurecer regras e critérios antes insuficientes para mitigar riscos, seja para afrouxá-los, se estavam desnecessariamente rigorosos. Considere também a mudança de certas práticas, atividades e processos. Talvez, surjam alguns melhores em comparação com os anteriores e, portanto, os novos devem ser mantidos, substituindo os menos adequados.

Assim sendo, você tem uma lição de casa, mesmo antes do resultado da avaliação da efetividade do Mecanismo de Integridade estar pronta. Avalie criticamente e busque as melhorias para os principais documentos pertencentes ao Mecanismo de Integridade, considerando os resultados da Medida 2 (Compliance Risk Assessment) e todo o conhecimento adquirido nesse período. Além do conteúdo, inclua na análise o formato, o tamanho e os detalhes do conteúdo, a linguagem e a qualidade de cada documento. Revise templates e formulários, modelos de atas de reunião, de relatório etc.

Este é o último artigo dessa série. Se você não leu os outros, recomendo iniciar pelo primeiro, para entender a sequência. Até agora, já foram abordadas 7 medidas, faltando apenas 3, para complementar as 10.

A próxima delas, entretanto, é um dos tópicos mais importantes de um Mecanismo de Integridade, pois representa os riscos mais elevados e, de forma geral, impõe a maior quantidade de lacunas nas organizações. Trata-se da Gestão dos Fornecedores e Terceiros.

Medida 8: Gestão da Cadeia de Terceiros

Uma instituição íntegra só deve se relacionar com fornecedores e terceiros igualmente íntegros. Essa obviedade não é apenas uma constatação, mas encontra respaldo na legislação brasileira, tanto na Lei 12.846/13 quanto no Decreto 8.420/15, em diversos de seus requisitos. Portanto, o Compliance Officer diligente precisa cuidar desse assunto e aproveitar os resultados das demais ações, até então sugeridas, para revisitar cada elemento que o compõe, a fim de reduzir a exposição a riscos para a sua companhia.

Apesar de não ser o objeto desse artigo, vale relembrar a ameaça a ser afastada: “risco de o terceiro engajar-se em ilicitudes”. Ou seja, a preocupação é prevenir atos ilícitos dos fornecedores e não simplesmente cancelar contratos após o delito estar consumado ou mergulhar-se na criação de documentos suporte para mostrar a “verificação da vida pregressa das empresas”. Aos interessados sobre esse tema específico, sugiro dois outros artigos:

  1. https://www.linkedin.com/pulse/como-tratar-os-fornecedores-sob-%25C3%25B3tica-do-compliance-wagner-giovanini
  2. https://www.linkedin.com/pulse/mecanismo-de-integridade-para-os-fornecedores-wagner-giovanini/

Retornando à presente recomendação, comece por avaliar se a classificação dos riscos dos fornecedores em relação ao Compliance merece uma atualização, depois de conhecer os resultados das medidas anteriores.

De certo, algumas regras deverão ser reajustadas. Além disso, analise seus bancos de dados (cadastros) e a forma de gestão dos fornecedores, para concluir se eles guardam coerência com o aprendizado atual.

Segundo os resultados dos dois itens anteriores, avalie se há necessidade de revisão das políticas, código de conduta dos fornecedores, cláusulas contratuais, formas de relacionamento e comunicação com a cadeia de suprimentos.

Uma boa prática é envolver virtualmente os profissionais das áreas de compras para discutir em conjunto, cada um dos tópicos relacionadas acima, mas não se limitado a eles, pois há diversas interfaces dos processos desse setor com o Mecanismo de Integridade merecedoras de atenção. A existência de eventuais lacunas em tais processos pode significar riscos importantes relativos a Compliance.

Além de tudo, se a sua empresa se propõe a ser uma instituição ética de verdade, chegou a hora de promover ações coletivas com a sua cadeia, no sentido de incentivar todos a implementarem seus Mecanismo de Integridade. Não iremos avançar rumo a uma sociedade melhor, com mais ética e integridade, se esse passo não for dado. Mesmo sendo um plano desafiador!

Medida 9: Lacunas e pendências conhecidas

O cotidiano dos profissionais de Compliance é semelhante nas diversas organizações e nos mais variados países do mundo: parece faltar recurso, não há tempo para cumprir suas tarefas de modo integral, há uma enorme quantidade de casos urgentes e, em muitas vezes, os importantes perdem prioridade. Deixando as lamentações de lado, esse quadro não pode se perpetuar. Então, aproveite o momento para “colocar a casa em ordem”. Elimine todas a pendências possíveis. Assim, tão logo a crise passe, o seu Mecanismo de Integridade estará em outro patamar de qualidade.

Na realidade, é comum haver atividades, processos, registros etc. com pendências conhecidas ou com “pipeline” acima do desejado. Apenas para levantar a reflexão, seguem alguns casos comuns, com as respectivas sugestões para um plano de ataque imediato:

  • Investigações: fazer o possível à distância (análise de dados, documentos, planilhas etc. Inclusive, para investigações simples, as entrevistas podem ser conduzidas por vídeo conferência em caráter excepcional).
  • Decisões decorrentes de diversos fóruns (Compliance Risk Assessment; auditorias, comitês de ética, entre outros): avaliar se existem pendências e, se positivo, buscar implementá-las de modo virtual.
  • Planejamento de orçamentos, cargas de trabalho (definição de FTEs), estrutura interna do departamento e outras questões normalmente relegadas a segundo plano: invista um tempo agora, refaça seus cálculos e análise e esteja pronto para discutir os resultados com o seu superior.
  • Página da Internet e Intranet relativa ao Compliance: visite cada sessão e estabeleça uma lista das melhorias necessárias. Envolva os responsáveis já e enderece os temas para serem resolvidos logo.
  • Interfaces com outros setores e departamentos (ex.: RH, Comunicação, Financeiro, Contabilidade, Jurídico etc.): inicie uma reflexão sobre cada tema, a fim de contribuir na identificação de redundâncias, conflitos ou lacunas não tratadas. Essa é uma boa hora para empunhar o telefone e resolver tais questões em linha reta com o chefe de cada área.
  • Atendimento da integral da legislação aplicável à organização (não apenas as de Compliance): esse ponto aparece com muita frequência como não atendido, mesmo em grandes corporações. Portanto, vale investir um tempo na análise desse cenário, discutindo o caso com o Jurídico e demais atores da sua empresa para o integral atendimento de toda legislação.

A partir daqui, caberá ao Compliance Officer complementar essa lista, a fim de contemplar a sua realidade.

Medida 10 – Melhoria da Gestão do Compliance

Um Mecanismo de Integridade efetivo deve ser perene e, para tanto, necessita de uma base sólida de sustentação. Uma gestão apropriada, baseada em fatos, calcada no princípio da melhoria contínua, com visão abrangente e inovadora, dentre outras virtudes, confere a esse sistema os ingredientes fundamentais para assegurar a sua sustentabilidade e, com isso, perpetuar os bons resultados.

Negligenciar a gestão coloca o sistema em risco, perde-se a visão do todo e abrem-se brechas para o seu fracasso. Além do mais, uma gestão efetiva interliga a totalidade de seus elementos, práticas, processos, ferramentas, estrutura, etc. num sistema vivo, fazendo dessa interdependência uma gama de oportunidades, aproveitamento de sinergias, poupando recursos e, o mais importante, propiciando o alcance dos objetivos traçados para o Mecanismo de Integridade.

Assim sendo, a décima recomendação visa abraçar todas as demais e integrá-las no sistema do dia a dia. Para tanto, aproveite a ocasião e avalie a condição atual da gestão do Compliance e faça os ajustes necessários, considerando o aprendizado decorrente da crise e os resultados das providências aqui sugeridas. A exemplo das outras medidas, sugiro uma breve lista, para ser completada na sequência, de acordo com o seu caso particular:

  • Faça uma avaliação do seu modelo de gestão, para concluir se ele está trazendo os benefícios esperados. Se ele ainda é incipiente, comece por torná-lo robusto, profissional e eficiente.
  • Estabeleça ou melhore a métrica para medir a efetividade de cada processo crítico, inclusive do Mecanismo de Integridade como um todo.
  • Crie ou melhore os processos de coleta das informações para compor os indicadores de desempenho, sejam eles quantitativos ou qualitativos.
  • Avalie se os processos de análise crítica do desempenho do Compliance estão adequados. Verifique a frequência e efetividade dos participantes nas avaliações. Se oportuno, pense nas melhorias e já as implemente.

Inclua, nesse contexto, os processos de realização de pesquisa de satisfação e de clima para o Compliance, os processos de melhoria contínua, adoção de medidas corretivas, preventivas, entre outros.

Conclusão:

Sempre quando surgem desafios, eles devem abrir espaço para as oportunidades que, se bem identificadas e aproveitadas, transformar-se-ão em benefício permanente. O Mecanismo de Integridade, em tempos de crise, enfrentará riscos, inclusive de paralisação, o que seria devastador para a corporação, tanto no cenário atual quanto futuro. Ao Compliance Officer cumpre liderar um processo não apenas para evitar a concretização dos riscos, mas para aproveitar as oportunidades do momento.

Assim, nesse conjunto de artigos, procurei trazer a experiência de êxitos passados, em situações adversas para o Compliance que, com medidas pertinentes, se fortaleceu e contribuiu de forma exemplar para a empresa e suas partes interessadas vencerem momentos como esse.

Cabe a cada um arregaçar as mangas e fazer a sua parte. Desejo sucesso a todos, pois, dessa forma, contribuiremos para a construção de um Brasil melhor. Boa sorte!

A ideia de escrever esses artigos veio a partir de um Webinar, conduzido por mim para os clientes da Compliance Total. Para os interessados, ele foi gravado e publicado no link: https://www.compliancetotal.com.br/videos

Espero que essas recomendações sejam úteis para você!

Autor: Wagner Giovanini é especialista em Compliance e sócio-diretor da Compliance Total e Contato Seguro. Autor do livro “Compliance – a excelência na prática”, desenvolveu a Compliance Station®, plataforma inovadora para a implementação e execução do Compliance em micro e pequenas empresas.

Para mais informações e conteúdos sobre o tema acesse:

www.compliancetotal.com.br e https://www.linkedin.com/company/9299759/